sábado, 26 de abril de 2014

Saraivadas ao Destino

E quando tudo nos aperta e sentimos que não se consegue respirar, perguntamo-nos se é desta, da mesma forma que na rua se viam soldados em todas as esquinas de espingarda ao ombro, e entre nós olhares com coração à boca, com aquela ansiedade que é metade terror e metade esperança, e por pouco um chaimite nos atropelava, tal a urgência com que tudo acontecia, como quando as ausências nos atropelam e nós com pressa, e o tempo sem pressa, às vezes parado como fotografia estática de aniversário, ou baptismo, ou casamento, tudo parado de sorriso postiço nos lábios, e nós com pressa para que tudo seja reposto à normalidade, ou qualquer coisa parecida à normalidade mas para melhor, uma normalidade melhorada, mas o tempo ainda parado, e se o chaimite quase nos atropelava é equívoco nosso, o chaimite parado, os soldados parados em todas as esquinas, e perguntamo-nos se é desta, levando as mãos ao pescoço, tal é a dificuldade em respirar quando algo nos constrange o peito, e como não sai, prostramo-nos de joelhos e de mãos no pescoço fazendo aquele esforço para sorver um naco de oxigénio, mas para quê o esforço, acreditamos por momentos que o melhor é deixar estar, estendermos os braços ao chão e abandonarmo-nos ao destino, conforme salgueiro berrava para dispararem, os soldados parados em todas as esquinas, e os chaimites parados naquela vertigem de quase atropelo, e sejamos francos, a coragem não sai porque andamos de cu apertado, até que
-passa-me cá essa merda
saraivada de estrilho no carmo, e se está tudo estático é porque os nossos olhos nos mentem, porque
-passa-me cá essa merda
saraivada ao silêncio, e é como se algo tivesse saltado da boca para fora e a gente pudesse respirar, como quando todos nos erguemos do chão e fomos ao carmo saraivar toda esta opressão, toda esta tirania que nos subjuga o direito à vida, e quando tudo nos aperta e sentimos que não se consegue respirar
-passa-me cá essa merda
metralhar as paredes do carmo até fazer saltar a opressão da boca para fora, até nos erguermos e assumirmos que basta, até percebermos que os olhos nos mentem e que nada está parado, está tudo em movimento, está tudo preparado para saraivadas ao destino.

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